
Lisboa e Faro são as cidades que, de 2 de setembro a 15 de outubro, recebem a nova e efervescente programação da BoCA – Bienal de Artes Contemporâneas.
Sempre consciente do tempo actual – cultural/artístico, social e político -, o director artístico John Romão assume que “deseja dar visibilidade a matérias viventes que não se veem, seja por condicionamentos sociais, políticos, culturais, económicos, jurídicos ou tecnológicos, seja por premeditadamente não se querer reconhecer a existência de outridades, de validar identidades que habitam as margens”.
Sob o título “Presente Invisível”, este questiona os poderes que impedem a igualdade, justiça e liberdade em diferentes contextos – desde a crise migratória, às travessias das identidades de género, à guerra que acontece distante de nós –, apagando da história corpos, movimentos e ações que são motor de vida.
Destaques Queer da 4ª edição da BoCA – Bienal de Artes Contemporâneas
GAYA DE MEDEIROS (BR) — “CAFEZINHO” (TÍTULO PROVISÓRIO)
Lisboa – Estúdios Victor Córdon 15.09, 19h / 16.09, 15h
Gaya de Medeiros, artista brasileira a residir em Portugal, usa a dança para transformar as suas inquietações em emoção, beleza e suor. A sua performance “Atlas da Boca”, co-criação com Ary Zara, foi considerada um dos melhores espetáculos de 2022. Convidada pela BoCA para se adentrar no universo de Pina Bausch, Gaya de Medeiros empenha-se na sua militância dos afetos para investigar neste novo projeto formas de esperança ou o esforço de “esperançar”. A partir do ambiente proposto no emblemático espetáculo “Café Müller” (1978) de Pina Bausch, que curiosamente se dançou pela última vez em Lisboa, e daquelas personagens que apresentam uma relação muito frágil com a vida, a coreógrafa e bailarina brasileira Gaya de Medeiros tece uma reflexão multigeracional sobre a depressão, o envelhecimento e o futuro.
Ao revisitar o clássico de Bausch, Gaya explora o paradoxo expressivo da dança enquanto ferramenta de comunicação e força misteriosa, opaca.
[Imagem via Instagram]

Assim, ao percorrer aquele universo mórbido, angustiante e, por vezes, convulsivo, a performer convida o público a mergulhar nas suas pulsões de vida e morte, e a dessacralizar o ato de estar vivo – menos um dever do que uma escolha.
Esta partilha pública tem lugar nos Estúdios Victor Córdon, precisamente onde Pina Bausch ensaiou em 1998 a sua criação sobre Lisboa, “Masurca Fogo”.
PAUL B. PRECIADO (ES) — “EU SOU O MONSTRO QUE VOS FALA”
Lisboa – Culturgest 17.09, 17h
O filósofo e um dos principais ideólogos da teoria queer Paul B. Preciado proferiu no outono de 2019 um discurso para 3.500 psicanalistas reunidos nas Jornadas da Escola da Causa Freudiana, em Paris. Retomando o texto de Franz Kafka em que um macaco que aprendeu a linguagem humana se dirige a uma academia de cientistas, Paul B. Preciado dirige-se a uma assembleia de psicanalistas como um homem trans e uma pessoa de género não binário, não só para denunciar a violência estrutural que a psiquiatria, a psicologia e a psicanálise infligem às pessoas consideradas homossexuais, trans, inter- sexuais ou não-bináries, mas também para convidar a psicanálise a abrir-se às mutações de género e sexuais que estão a ter lugar na contemporaneidade. Desde a jaula de “homem trans”, diagnosticado pela psicanálise como “doente mental” e “de género disfórico”, afirmou: “Eu sou o monstro que vos fala. O monstro que vocês próprios construíram com o vosso discurso e as vossas práticas clínicas. Eu sou o monstro que se levanta do divã e toma a palavra.”

O espetáculo biopolítico de Preciado sai agora do livro e entra em palco. O texto passa agora a ser um monólogo coletivo lido a cinco vozes, dirigido não apenas à comunidade psicanalista mas a cada um de nós e à nossa capacidade de abraçar a mudança e imaginar uma nova utopia.
[Imagem por © Catherine Opie]
“Há uma proximidade histórica das pessoas que fomos expulsas do espaço público e que fomos empurradas para o espaço teatral”, diz Preciado.
YVONNE RAINER (US) — “RETROSPETIVA: TORNAR-SE YVONNE RAINER”
Lisboa – Cinemateca Portuguesa Ciclo Queer Lisboa: 21.09 a 28.09
Debate: 27.09, 18h30
Figura pioneira do movimento de vanguarda estadunidense e uma das artistas performativas mais influentes do século XX, Yvonne Rainer ostenta uma carreira de mais de cinco décadas, na dança e no cinema.
Fazendo uso de arquivos, reencenações, fotografias e técnicas audiovisuais não convencio- nais, os seus filmes recorrem à teoria crítica e à análise erudita enquanto exploram temas e questões profundamente pessoais, políticas e sociais.

Integrado no Queer Lisboa, com curadoria de Hilda de Paulo, o ciclo “Retrospetiva: Tornar-se Yvonne Rainer”, apresenta um conjunto de 9 filmes, dentre 7 obras de Rainer recentemente restauradas pelo MoMA – incluindo a sua primeira longa-metragem, “Lives of Performers” (1972), uma reflexão subversiva sobre alianças românticas que incorpora imagens de arquivo e coreografias da própria Rainer.
Numa parceria com a BoCA, a seguir à exibição do documentário “Rainer Variations” (2002) de Charles Atlas – no qual uma extensa entrevista com Rainer intercala-se com a montagem de quatro performers (Rainer entre eles) que encenam e reencenam as suas histórias – tem lugar um debate sobre a obra da artista norte-americana. Nesta conversa, da qual participam João dos Santos Martins, Gisela Casimiro e Jorge Jácomo, com moderação da Claudia Galhós, abordar-se-á a dicotomia do seu trabalho do corpo em palco contra aquela de um trabalho mais psicologista no cinema, assim como os contextos da vanguarda onde Rainer se insere e o impacto da sua obra na produção artística portuguesa.
PAUL B. PRECIADO (ES) — “ORLANDO, A MINHA AUTOBIOGRAFIA POLÍTICA”
Lisboa – Cinema São Jorge 03.10
O filme “Orlando, a minha autobiografia política” de Paul B. Preciado surge de uma adaptação de uma das obras mais conceituadas da escritora inglesa Virginia Woolf, “Orlando”, em que o realizador dirige uma carta à escritora a dizer que a sua personagem Orlando tornou-se real. Paul B. Preciado convocou um casting com 25 pessoas diferentes, todas trans e não binárias, dos 8 aos 70 anos, para interpretarem a personagem fictícia de Virginia Woolf, enquanto narram as suas próprias vidas e ao mesmo tempo questionando-as: “Quem são os Orlandos contemporâneos?”.

O filme ainda reúne uma série de imagens de arquivo sobre pessoas trans de meados do século XX que invocam os verdadeiros Orlandos históricos na sua luta pelo reconhecimento e visibilidade.
Virgínia Woolf escreveu “Orlando” em 1928 e foi o primeiro romance em que o personagem principal muda de sexo no meio da história. Um século depois, o escritor e ativista trans Paul B. Preciado decide enviar uma carta cinematográfica a Virginia Woolf: o seu Orlando saiu da sua ficção e está a viver uma vida que ela nunca poderia imaginar.
Primeiras confirmações da BoCA – Bienal de Artes Contemporâneas
Paul B. Preciado, Agnieszka Polska, Gabriel Chaile, Vera Mantero + Teresa Silva, Ana Borralho & João Galante, Yvonne Rainer, Gaya de Medeiros, João dos Santos Martins + Ana Jotta + Joana Sá, Marina Herlop, Cláudio da Silva + Carolina Dominguez + Pedro Paiva, Julian Hetzel & Ntando Cele, Herlander, Cláudia Dias, João Pais Filipe + Marco da Silva Ferreira, Pedro Sousa, Odete + Caty Olive, Héctor Zamora.
A programação completa da BoCA – Bienal de Artes Contemporâneas pode ser consultada no seu website.