
Permitam-se a ousadia de tecer alguns comentários relativamente à final da Supertaça Feminina 2023. A grande final ocorreu na passada quarta-feira, 13 de setembro. Fomos brindados com um dérbi Benfica-Sporting, e que dérbi! Passei apenas agora estas ideias para o papel porque precisei de deixar algumas delas a marinar, desde o jogo que ficaram a pairar e apurar na minha mente.
Antes de irmos à final e às protagonistas em si, importa deixar algumas palavras de reconhecimento às equipas que disputaram as meias-finais, Braga e Famalicão. Enfrentaram respectivamente Benfica e Sporting, nos passados dias 2 e 3 de setembro. Que jogos incríveis! Todas as quatro equipas demonstraram muito mérito e vários argumentos em como eram não só merecedoras de estarem nas meias-finais, como também na tão ambicionada final. Vencedoras e vencidas estão de parabéns.
Considero, no entanto, que apesar do investimento crescente que se tem vindo a fazer na vertente feminina dos clubes de futebol, a discrepância ainda é assinalável. O que quero dizer é que clubes como Benfica e Sporting, e em certa medida mesmo o Braga, terão à partida vantagem tendo em conta as estruturas com que contam. Portanto, deixo uma palavra de admiração profunda pelo mérito com que equipas como o Famalicão demonstra no embate em todos os jogos. Foi visível esse empenho nas referidas meias-finais. Os meus parabéns por encararem o adversário olhos nos olhos, por irem à luta até ao fim, pelo espírito de sacrifício que proporcionou a todos um grande espetáculo de futebol.
Arrisco-me a afirmar que a época que está prestes a começar será a mais competitiva e renhida que a liga BPI já conheceu. E não se deve apenas aos grandes clubes, deve-se em grande parte às jogadoras que fazem desta paixão pelo futebol um part-time porque infelizmente ainda não veem o seu esforço reconhecido financeiramente. São obrigadas a desdobrarem-se e a conciliar o futebol com empregos a full-time, e muitas vezes até estudos.
Incidente no aquecimento das meias-finais
Quero terminar este ponto das meias-finais fazendo alusão a um episódio lamentável que poderia ter estragado a bonita festa da final, mas felizmente não aconteceu. Ainda assim, não pode passar em branco. Confesso que durante a transmissão não me apercebi, mas mais tarde a capitã do Braga e da seleção nacional, Dolores Silva (de resto uma das personalidades mais sonantes da modalidade no país), denunciou nas redes sociais o empurrão que um membro da equipa técnica do Benfica deu a uma jogadora do Braga que corria para efetuar exercícios de aquecimento. Aliás, nem foi um empurrão, a jogadora foi completamente abalroada caindo com grande aparato. O senhor técnico deve ter tido naquele momento uma diarreia mental incontrolável. Acho precipitado colocar todos no mesmo saco, embora seja um técnico do Benfica, tenho sérias dúvidas que o clube reveja neste tipo de comportamentos.
Vamos então à final. Aguardava este jogo com grande entusiasmo e expectativa, e as protagonistas não desiludiram. Que jogo incrível! Se o Benfica era dado como equipa favorita no que à vitória dizia respeito, o Sporting entrou em campo com as garras de fora tentando contrariar esse favoritismo. Assistimos a uma primeira parte muito disputada, com oportunidades de parte a parte, mas sem alteração no marcador. Na segunda parte as equipas voltam ambas com tudo e os lances de golo continuam a ser flagrantes tanto para as águias como para as leoas.
A final da Supertaça Feminina trouxe um jogo renhido entre águias e leoas
Sentia-me extasiada com a qualidade de jogo com que estávamos a ser brindados, ainda mais estando numa fase de pré-época. Que trabalho incrível das jogadoras e respetivas equipas técnicas! (O Benfica contava já à data com duas importantes e expressivas vitórias a contarem para a Champions). O jogo foi sendo disputado de forma relativamente equilibrada, até que a suspeita do costume, a inevitável e imparável Kika Nazareth, numa iniciativa individual brilhante marca o primeiro do encontro colocando o Benfica na frente do marcador. Alguns minutos volvidos, num lance de bola parada muitíssimo bem batido, as leoas, com todo o mérito, empatam a partida. E o resultado manteve-se inalterado até ao fim do prolongamento obrigando à marca de grandes penalidades para decidir quem levaria a Supertaça.
O Benfica mostrou-se mais eficaz e levou consigo não só o troféu vencedor como também o prémio de equipa fair play, e a nível individual o prémio de melhor jogadora atribuído à Kika Nazareth. A miúda justamente premiada como melhor jogadora ofereceu o prémio à colega de equipa Lena Pauels, guarda-redes das águias. Já não tenho palavras para esta miúda que se mostra de uma qualidade inegável e inquestionável dentro das quatro linhas, e fora delas de um caráter, humildade e sensatez incríveis. Aliás, demonstra isso dentro e fora da quadra.
1 milhão de pessoas assistiu à final da Supertaça Feminina na televisão
Importa salientar o facto deste jogo ter sido transmitido na TVI, coisa que há um tempo não muito longínquo seria impensável. Caminhamos a passos de bebé e com grande cautela para uma descoberta generalizada do futebol praticado por mulheres. A histórica participação portuguesa no último mundial (2023 Austrália-Nova Zelândia), veio desbravar muito caminho neste sentido. Mas há ainda muito a fazer.
Continuo a ouvir comentários que o futebol não é para mulheres, que as jogadorAs não são tão rápidas nem tão técnicas como os jogadorEs e isso torna o jogo aborrecido, entre muitas outras coisas palermas e perfeitamente infundadas. A maioria deste tipo de ideia pré-concebida parte de pessoas que nunca assistiram a um jogo de futebol na vertente feminina. E devo confessar que é gratificante desconstruir a ideia de que o futebol não é para mulheres. É uma caminhada tortuosa, muitas vezes ingrata, mas levar pessoas que acham que as jogadoras não têm capacidade de proporcionarem um jogo tão ou mais emocionante que os jogadores, olhar para essas pessoas e ver o preconceito, tipo catarata abandonar-lhes o olhar, é muito muito bom! De acordo com as notícias, a transmissão deste jogo bateu record de audiências, sendo expressivo do crescente interesse na modalidade.
Ainda dentro da transmissão da TVI, não posso deixar passar em branco uma situação que é recorrente nas transmissões de futebol na vertente feminina, e aqui não importa o canal porque é transversal, assisto a esta questão recorrentemente. Os comentadores não sabem os nomes das jogadoras. Muitas vezes confundem-nas com outras colegas, e apesar de para mim ser estranho não distinguirem as jogadoras, ok ainda aceito. Mas não saberem o nome das jogadoras não é aceitável. É de uma falta de profissionalismo gritante e uma falta de respeito pelas jogadoras.
No estádio as pessoas adeptas partilharam em harmonia o espaço
Como disse inicialmente, esta final disputou-se na passada quarta-feira no estádio de Aveiro, e impõe-se sublinhar que apesar de ser dia de semana o estádio contava com alguns milhares de pessoas. E cabe aqui destacar o que mais me agrada nestes eventos, adeptos de ambas as equipas juntos. Sentados amigável e civilizadamente lado a lado, cada um torcendo pela sua equipa, disfrutando em plena harmonia de um espetáculo tão bonito. E em grande medida contribuindo também para o brilhantismo do jogo. Este ambiente de união, respeito, conforto e segurança para se assistir e comemorar uma atividade desportiva, é típico do futebol na vertente feminina. Prima pelo acolhimento e tolerância que vai faltando cada vez noutras vertentes, servindo portanto de exemplo a seguir.
Para terminar, lanço uma farpa em tom provocatório. No dia que sucede esta magnífica final, os destaques dos jornais desportivos recaiam, uma vez mais, sobre acontecimentos vários, sendo dedicado apenas um pequeno espaço na capa à final da Supertaça Feminina. Já tivemos a transmissão na TVI, e generosamente um quadradinho nas capas desportivas, também não se pode querer Roma em Pavia num dia. Caminhamos, lentamente, mas caminhamos.
Resta-me parabenizar as equipas Benfica, Sporting, Braga e Famalicão. Seguimes atentes!
Amélia Lisboa