Assumir, ‘Outing’ E Outras Receitas

Ontem à noite houve mais uma discussão no Twitter sobre o outing de políticos que supostamente votam em leis anti-gay apesar da sua alegada homossexualidade. Podem ver os RTs que dei aqui. Este é um tema que tenho seguido mas que não me vou pronunciar directamente por agora. No entanto lembrou-me um outro assunto que está na base do primeiro: assumir-se (ou sair do armário ou ainda o internacional coming out, expressões que não acho felizes mas que são amplamente usadas).

Parece-me que está popularizada a ideia, pelo cinema, pelos romances, que a pessoa deverá assumir-se, que é um passo de afirmação, de orgulho, um passo essencial à sua auto-estima e à causa LGBT. E de certa forma é verdade mas não é, de todo, uma verdade absoluta per se. Se há um grupo de pessoas dentro da comunidade que o puderam fazer, por opção sua, e com isso viverem uma vida mais sincera consigo mesmos e com os que os rodeiam tanto melhor, mas isto não significa que seja sempre a melhor opção e muito menos significa que seja a melhor opção para todos.

Se uma pessoa se quiser assumir deverá ter em conta alguns factores e não fazê-lo apenas com base num princípio de afirmação e orgulho porque, antes que isso, deverão perceber de forma lógica e prática se ao se assumirem ficarão, ou não, numa situação de risco (expulsos de casa, vítimas de violência física, por exemplo).

O acto de alguém se assumir não deve, nunca, ser considerado um princípio básico de um LGBT pleno e muito menos deve ser encarado como um dever dessa pessoa perante o resto da comunidade. Será sempre uma decisão pessoal que deverá estar livre de pressão e ter sempre em conta os factores de risco que ao fazê-lo poderá ter que lidar. Mais vale fazê-lo, se assim o desejar, no momento devido em que não corra perigos, em que não seja posto fora de casa, em que não leve com o cinto, em que não se submeta à violência de um grupo.

Não é porque uma parte da comunidade o fez sem consequências negativas para si mesma que se deva seguir a mesma receita só porque sim. A receita é unipessoal e, mais importante que nos assumirmos, é sobrevivermos, é sermos verdadeiramente ajudados por quem nos queira ajudar. E um dia fará sentido, sem prejuízo para o mesmo, e nesse dia, sim, será uma opção válida em cima da mesa e, então, plenamente assumir-nos-emos.


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Respostas de 11 a “Assumir, ‘Outing’ E Outras Receitas”

  1. […] O momento em que nos assuminos à nossa família mais próxima pode acontecer mais cedo ou mais tarde (ou nunca), o tema e as respectivas complexidades já foram tratados por aqui. […]

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  2. O meu lado realista concorda contigo a 100%, nem todos os gays se podem assumir publicamente ou privadamente, e fica feliz quando alguém o faz, seja figura pública ou não. Fico feliz porque isso significa que têm o apoio de quem os rodeia.
    Mas o meu lado sonhador, esperançoso, whatever… irrita-se quando o fato de alguém se assumir ser notícia, mesmo quando “serve” para ir mudando as mentalidades.

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    1. Há que continuar a sonhar para que chegue o dia em que as notícias como a de hoje deixem de fazer sentido por já não serem relevantes. Até lá continua a fazer-se por isso =) :*

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  3. […] Não é a primeira vez que tratamos o tema aqui no blog e é bem sabido que, antes de qualquer impulso temporal, deve existir a segurança de quem se assume à família e aos que o rodeiam. De nada vale seguir cegamente um princípio se no final do processo arriscamos ser violentados, postos fora de casa ou humilhados, há histórias para tudo. Por isso a segurança, principalmente para os mais novos, deverá ser a prioridade máxima e será essencial um equacionamento se o acto de nos assumirmos pode ser naquele momento prejudicial ou não. […]

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  4. […] de segredos na indústria. O caminho para a admissão é pessoal e nunca deverá ser forçado, tal como temos vindo a discutir neste espaço, mas no momento em que o ícone do teatro e cinema Ian McKellen explorava a sua sexualidade na […]

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  5. […] de segredos na indústria. O caminho para a admissão é pessoal e nunca deverá ser forçado, tal como temos vindo a discutir neste espaço, mas no momento em que o ícone do teatro e cinema Ian McKellen explorava a sua sexualidade na […]

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  6. […] isto, deverá partir sempre da própria pessoa a decisão de se assumir publicamente ou apenas a pessoas m…. É um direito absolutamente justificável num caso destes. Este não deve estar sujeito a […]

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  7. […] vezes falámos neste espaço da importância do coming out e do direito incontornável de cada pessoa LGBT de o ter nos seus termos e na altura que considerar […]

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  8. […] O processo de CO implica um conjunto de etapas, por vezes com percursos de ‘ida’ e ‘vinda’ (vários comes e outs), desde a ‘saída do armário’ até à persistência em continuar ‘no armário’, mesmo que a orientação sexual LGB já tenha sido assumida, não sabendo lidar com a situação. Quando surgiram os primeiros estudos nesta temática, no início do séc. XXI, a comunidade LGB mais velha era ‘invisível’. Considera-se que nos últimos anos o processo de CO foi mais facilitado muito devido ao trabalho realizado pelos movimentos associativos da comunidade LGB, que tem vindo a delinear um caminho para que esta temática deixe de ser tabu e receber uma maior atenção por parte dos profissionais da área social e da saúde (e.g. educadores sociais, assistentes sociais, psicólogos, enfermeiros, médicos, entre outros). […]

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  9. […] relação de Wilson com Agruma antes de ela própria o fazer. O típico outing, portanto, ou seja, quando alguém revela a orientação sexual (ou relacionamento não heterocisnormativo) sem o seu […]

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  10. […] de Wilson com Agruma antes de ela própria o fazer. O típico outing, portanto, ou seja, quando alguém revela a orientação sexual (ou relacionamento não heterocisnormativo) sem o seu […]

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