A homofobia (e heterofobia) homossexual

Andar pelas ruas de Berlim é uma experiência tão absorvente e rica quanto a história da cidade, capaz de absorver e enfeitiçar aqueles que nela se revêm. Local de eleição para os marginalizados, artistas e ideologistas, sempre foi um paraíso para a comunidade LGBT. Passeando pelo eclético bairro de Schöeneberg, vemos demonstrações de afecto expontâneas para destruir o gelo que o ar carrega, lojas e cafés com a bandeira arco-íris para demonstrar solidariedade com a luta pela igualdade de direitos e sinal que há aqui um refúgio declarado para todos nós. Ou quase.

Ao passar por um bar vejo afixado por debaixo do nome “Männerkneipe”. Se calhar não teria dado importância a tal facto, que depois se demonstrou recorrente em alguns espaços do bairro, que contém nele desde restaurantes românticos a sex clubs. O bar tinha bom aspecto, por isso, enquanto passeava com uma amiga de longa data, disse para entrarmos. Ela mostrou-se pouco receptiva à ideia. Sendo uma das maiores apoiantes e aliadas da comunidade LGBT que conheço estranhei até ela me dizer “não acho que vá ser bem recebida num espaço só para homens”. Ainda insisti, mas acabei por perceber que de facto o bar, apesar de não ser nem parecer de engate, estava composto totalmente por elementos do sexo masculino. Fomos para casa mas fiquei a pensar.

Começo por tentar entender porque começaram de facto a existir estes espaços destinados exclusivamente a homens homossexuais. É um exercício fácil. Há décadas atrás um espaço onde um homem gay podia conhecer outro sem repercussões nefastas não eram muitos, e Berlim deveria ser dos poucos lugares no mundo onde estes espaços existiam tão abertamente e não encobertos na anonimidade, fruto da vergonha e da intolerância. Mas pensar que uma mulher, em 2016, não está abertamente convidada a entrar num bar gay é talvez um sintoma de algo mais entranhado: homofobia.

Continua a existir uma grande segregação das várias iniciais que compõem o L, G, B e T da comunidade a que pertencemos. Numa conversa com a mesma amiga ela questionava-me acerca da homofobia que era experienciada no cerne dessa mesma comunidade do quão isso a baralhava. Muitas vezes existe alguma falta de comunicação entre as várias partes que a constituem levando a uma discriminação subjacente que depois se reflecte das formas mais inesperadas e ridículas. Muitas vezes os grupos de amigos ou são gay ou lésbicos ou trans, sendo os grupos mistos, incluindo também naturalmente alguns elementos da maioria heterossexual, pouco comuns. Tal depois espelha-se nos bares e discotecas que os mesmos frequentam para encontrar um pouco de diversão.

Mesmo dentro dos homens gay existe uma tremenda discriminação consoante a que sub-categoria pertencem. Critica-se. Goza-se. Insulta-se. Porque é demasiado efeminado, demasiado machão, passivo desavergonhado, activo mal resolvido, com dez quilos a mais, cabelo desconcertado, pêlos mal aparados, sobrancelhas deixadas ao abandono, rabo repreensivelmente liso ou roupa ostensivamente deplorável. Chega. Enquanto perpetrarmos estes crimes contra nós mesmos não haverá nunca uma aceitação total, ou sequer parcial, da sociedade global em que nos integramos, voluntariamente ou não.

A luta é una. Não faz sentido continuar a falar individualmente dos direitos de uns elementos dentro da comunidade em relação a outros. Se uma lei de adoção é aprovada para casais do mesmo sexo devemos comemorá-la com a mesma efusividade que outra que permite a fertilização in vitro para mulheres lésbicas ou vai dar a pessoas trans a possibilidade de assumir a sua verdadeira identidade sem esperas infindáveis. Esta segregação auto-imposta não pode existir numa comunidade. Aliás vai totalmente contra a sua definição: e nela se incluem também os nossos aliados. Deixem-se de merdas e de afirmar veementemente que eles não têm a mesma validade na discussão pois não percebem a nossa discriminação passada e diária nem toda a dor a ela associada. Pode ser que não, mas estão dispostos a batalhar ao nosso lado por uma luta que, segundo vocês, não é a deles. Mas é. Não preciso de cair em clichés de página de horóscopo para tornar isto mais claro. Despertem já e aceitem aqueles que não são iguais a vocês. Pensem antes de abrir a boca para lançar um insulto afiado carregado de ódio. Ou estão exactamente a cometer os mesmos crimes que tanto abominam.

Imagem: Panoramio