Dia Internacional da Despatologização Trans: O Porquê

Hoje, dia 22 de Outubro, assinala-se o Dia Internacional da Despatologização Trans. Neste sentido, existem, para já, dois projetos de lei que procuram a autodeterminação de género: uma proposta apresentada pelo BE (Bloco de Esquerda) e outra pelo PAN (Pessoas, Animais e Natureza). Foi, também, anunciada uma proposta de lei pelo governo a ser divulgada nas próximas semanas.

Uma lei pela autodeterminação não é apenas uma lei que visa permitir mudar o nome no registo civil com maior celeridade e com total separação da esfera legal e médica. É também uma lei que permite trazer dignidade a imensas pessoas que passam diariamente pela dificuldade de lutar pelo seu próprio reconhecimento legal e pela validação da sua identidade.

Do ponto de vista da vivência de alguém Trans, uma lei pela autodeterminação é uma lei que dá a si o poder de decidir sobre si próprio, o poder de ser a própria, o poder de existir legalmente. Uma vantagem clara no direito de quem deve ter o direito.

Esta separação da esfera legal da esfera clínica é de extrema importância pois tenta derrubar um controlo permanente exercido pelos médicos, detentores do actual poder de decidir sobre o futuro de cada indivíduo que os procura. Identidades não têm diagnósticos possíveis, pois cada pessoa sabe quem é e, esta deve ser a premissa base para uma reformulação de uma lei que já está ultrapassada. O processo clínico que acompanha a maioria das pessoas Trans é, sem dúvida, um processo de normalização de identidade e, implicitamente, do corpo.

Ser homem não é apenas ter barba e ser detentor de um pénis, ser mulher não apenas ter cabelo comprido e uma vagina… ser um género não determina o formato do corpo nem o corpo determina o género. Num mundo plural, num mundo diverso, qualquer forma de olhar para cada indivíduo enquanto tal e empoderá-lo enquanto pessoa é um progresso conquistado. Qualquer forma de garantir a sua dignidade assegurada é um progresso conquistado.

Enquanto pessoa Trans, não benefício com este avanço na lei, pois já fiz a minha alteração de nome legal, mas, no entanto, após 3 anos de constante validação da minha identidade, pergunto-me até onde pode ser tão ridículo ter um diagnóstico de saúde mental que atesta a existência da minha pessoa e que para o conquistar tenho de me submeter a um interrogatório constante sobre o meu papel na sociedade. Esta reflexão pessoal é apenas um exemplo entre muitos outros, infelizmente.

Neste momento, para além de demorado, todo este processo exige um encaixe psicológico enorme. Desde consultas que demoram eternidades a serem marcadas, maus acompanhamentos, preconceito médico, claros casos de homofobia, transfobia e violência de género incluídos. Na outra mão, a dificuldade que é colocada nas pessoas pelo facto de não terem um documento legal que as proteja enquanto o género que se identificam. Ter de, quase sempre, emitir explicações contínuas sobre a sua própria identidade, explicar o facto de se apresentar com um nome incongruente com a documentação, bem como ser controlada por via da expressão de género. É, sem dúvida, um momento de grande importância para muitas pessoas que aguardam poderem dar um passo na sua vida.

No dia que se comemora a Despatologização das identidades Trans é preciso também recordar o imenso trabalho que é necessário fazer a vários níveis no nosso pequeno país, Portugal.


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Respostas de 5 a “Dia Internacional da Despatologização Trans: O Porquê”

  1. Ambas as propostas só consideram a alteração de nome e género. Para as cirurgias continua a ser necessário fazer-se processo clínico, portanto continua o controlo permanente exercido pelos médicos. Isto não é despatologização.

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  2. […] ontem, em Cascais e em pleno Dia da Despatologização Trans, que a revista GQ Portugal, através da quarta edição dos GQ Men of The Year Awards, premiou a […]

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  3. […] a chuva lá fora a marcar presença e cujo conteúdo pode ser explicado de forma clara no seu texto aqui publicado. O público ali se manteve, interessado e curioso, questionando-se sobre o que era ser-se Trans e […]

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  4. […] Durante a entrevista discute-se a existência do diagnóstico, mas infelizmente não se especifica em que moldes esse mesmo diagnóstico é feito. A informação que não é referida é, talvez, a mais importante: que na sua maioria, os diagnósticos são feitos com base em meras observações e esterótipos de género tão bem acentuados numa sociedade como a nossa. Este diagnóstico rigoroso visa normalizar identidades, policiar a sua livre expressão e condição no mundo. Vale a pena recordar o artigo a propósito do dia internacional da despatologização trans. […]

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