#8: Lizzy’s Husband – É necessário sentir as coisas de maneira diferente.

Na estreia deste espaço dedicado à apresentação de novos talentos, trazemos hoje Lizzy’s Husband, aka Renato Freitas.

O Renato tem 21 anos e considera que Trent Reznor, dos Nine Inch Nails, e Björk são os artistas que mais influenciam o seu trabalho, citando ainda o álbum “The Divine Comedy”, de Milla Jovovich, lançado em 94, como tendo um papel fundamental na forma como começou a ouvir música diferente do pop mais mainstream. Um autodidata musical de Guimarães, Renato adotou o nome artístico de Lizzy’s Husband em finais de 2011 e desde então tem vindo a explorar diversas sonoridades nos álbuns que lançou. Experimentalista e inquieto, não se considera avant-garde, mas quando o descrevem dessa maneira prefere recusar o termo e responder que quanto muito poderão sim existir pessoas que ficaram para trás, não ser ele o elemento desestabilizador. Para o Renato, a música foi o passaporte que o ajudou a perceber e a identificar-se como trans.

Estivemos um pouco à conversa com Lizzy’s Husband para que nós, e também vocês, o possamos conhecer melhor.

Como surgiu “Lizzy’s Husband”?

Ora, então… o projecto Lizzy’s Husband começou com uma brincadeira. Há uns anos eu era vocalista de uma banda de rock alternativo e apenas cantava e escrevia as letras, até porque na altura não sabia tocar nenhum instrumento. Havia uma necessidade forte de aprender coisas novas, por isso instalei um software de produção musical no meu computador e fui brincando… Ao início as coisas começaram por sair um pouco estranhas mas depois acabei por conseguir criar ambientes e paisagens sonoras que iam de encontro aquilo que sentia. E quando dei por mim tinha o meu primeiro álbum pronto. Desde então, tirei mais tempo para me dedicar à guitarra, ao teclado e à escrita. Comecei a criar um método de trabalho mais consciente e sóbrio, a explorar várias vertentes sonoras para encontrar o meu caminho. Isto é uma busca diária interminável para mim, e é sempre bom descobrimos coisas novas e estarmos abertos a novos mundos!

Essa exploração de várias vertentes sonoras de que falaste parece bem visível nos álbuns que lançaste até à data, e parece também ser notória a transformação da sonoridade de álbum para álbum.

Sim, é verdade. Tanto a musicalidade como a imagem associada existem em cada álbum de forma completamente isolada uns dos outros. Tento sempre assumir uma personagem de acordo com o conceito e os temas do álbum, e acho que acaba sempre por sair algo estranho, meio gender queer, que muitas vezes acaba por deixar alguma gente desconfortável. Já ouvi comentários negativos em relação às minhas apresentações, até porque muita gente não consegue distinguir uma personagem daquilo que eu faço na vida real.  Na verdade até me agrada criar um pouco de confusão na cabeça das pessoas e perceber que isso tem algum impacto “Ah, mas porque pintas as unhas? E porque estás a fazer eletrónica e a seguir passas para uma onda completamente acústica e mais pop? Porquê isto? Porquê aquilo? E porque é que não te ficas pelo registo que apresentaste até agora e fazes o mesmo nos próximos trinta anos?…” As pessoas têm tanto medo da palavra “mudança”… Mas para mim, é necessário virar-me do avesso e revirar-me novamente e explorar as minhas capacidades de maneiras diferentes, de sentir as coisas de maneira diferente.

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Achas que essa constante mudança e a adoção de estilos sonoros distintos podem ajudar a que mais pessoas se consigam reconhecer na tua música?

Sim, obviamente. Acho que essa mudança é uma viagem que as pessoas curiosas devem ter a audácia de realizar, e estar abertas a tudo no mundo. Acho que muitas vezes temos oportunidades que deixamos escapar e que nos poderiam tornar melhores como seres humanos. E acho que a música é uma boa terapia.

Por outro lado, não te amedronta a possibilidade do teu público de um determinado álbum se vir a sentir alienado ao não se reconhecer nos teus trabalhos subsequentes?

Não, de todo. Eu gosto dessa provocação dos sentidos… se eu fizer um álbum de certa forma e o público gostar, para quê fazer outro álbum igual se a resposta tem tendência a ser a mesma? Vai haver sempre alguém que não vai gostar. E quanto a isso não podemos fazer nada, quando a criação é a prioridade.

Disseste há pouco que em cada álbum tentas assumir uma personagem adequada ao conceito e temas desse álbum… como é que surgem essas personagens e qual é a sua relação com a tua própria vida, “a vida real”, como lhe chamaste?

Diria que estes personagens todos são apenas os meus moods a manifestarem-se ao longo dos anos, sem medo, de uma forma muito visual e presente. Acho que muita gente poderia chamar isto de esquizofrenia (risos). As pessoas não estão habituadas a lidar com mudanças bruscas e, de certa forma, em tão curto espaço de tempo.

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A tua música influenciou de alguma forma o teu processo de identificação como trans?

Acredito que o facto de fazer música me ajudou a sair do armário e assumir-me como trans. É uma sensação super libertadora, de escrever sobre a forma como nos sentimos. Por exemplo, o meu segundo single “A Place For The ghosts“, é uma batalha, um confronto comigo próprio entre um género e outro. também a “The Weight Of The World” é uma reflexão sobre o que é estares num corpo em que não pertences.

A tua música é um reflexo de ti próprio.

Cada álbum relata as minhas diferentes experiências ao longo dos anos. O primeiro álbum (“A Loud Silence”) foi escrito numa altura em que me mudei para o Porto e em que acabei por voltar para Guimarães. Foi uma fase bastante complicada a nível social e acho que é por isso que o álbum tem um mood muito dark… O segundo (“Violent Stomach”) já é mais “glamour & lifestyle” (até acho que posso dizer que é a minha versão da revista Caras (risos)), onde exploro mais a minha sexualidade, as minhas experiências com substâncias, culturas diferentes ou novas pessoas, e onde sou mais político em termos de escrita e opinião. Foi nessa altura que comecei a conhecer pessoal do teatro e afins, que me apresentaram o mundo do espetáculo e da performance de uma maneira diferente e arrojada. Exemplo marcante e grande inspiração para o álbum, foi uma das peças da Cláudia Lucas Chéu, “Violência – Fetiche do Homem Bom”. O terceiro álbum (“Blooms Every May”) é o meu “heartbreaking record”… O título é uma referência direta a uma rapariga que conheci (“cold ice green eyed girl blooms every May”), e o álbum foi influenciado por experiências vividas com ela, em Coimbra, durante três dias. Nunca tinha escrito de forma tão profunda e sentida como o fiz dessa vez. O amor foi sempre uma coisa de que falei negativamente nos dois álbuns anteriores… Fico contente por ter conseguido falar sobre ele de um outro ângulo, e vê-lo com diferentes olhos.

Tens ideia de onde te levará um próximo álbum?

O próximo álbum, que se chama “Peanut Butter Sandwich Makers“, vai ser muito diferente daquilo que andei a apresentar a nível musical e a nível de imagem nos últimos cinco anos. Vai ter uma onda mais acústica, punk-folk, pop rock, fugindo um pouco à eletrónica que sempre fiz até agora. As demos já estão acabadas e tenciono entrar em estúdio futuramente para gravar tudo direitinho… Posso dizer que é o meu trabalho mais sólido e consistente, até agora. É esperar para ver… em 2018!

Esperemos por 2018 então. No entretanto, a última pergunta, que deveria talvez ter sido a primeira: Quem é a Lizzy?

Supostamente, a Lana Del Rey (cujo nome verdadeiro é Lizzy Grant). Começou com uma brincadeira… Do tipo “well, i’d like to be her, but i just can’t. imma be her husband then” Sou um grande fã e na altura queria ir por uma onda parecida com a dela, musicalmente, mas acabei por perceber que não dava mesmo. Mas foi algo assim, o nome surgiu numa conversa com pessoal de ERASMUS que conheci no Porto, toda a gente achou piada e portanto acabou por ficar.

Obrigado então por teres partilhado um pouco de ti, e boa sorte para os teus projetos!

Fiquemos então com uma amostra da música de Lizzy’s Husband no vídeo abaixo, numa estreia do vídeo oficial de “Blooms Every May“, a ser lançado neste momento como comemoração do primeiro aniversário do álbum.

Poderão ouvir mais música de Lizzy’s Husband clicando aqui, onde encontrarão os vários álbuns lançados até à data.

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