Um casal de dois homens foi agredido no sábado por uma família em Coimbra. “Dei-lhe um beijo de despedida como qualquer outro dia em que ele vai trabalhar e eu vou levá-lo” e logo aí o grupo de pessoas “começou com os insultos.” À violência verbal seguiu-se a física. Duarte, um dos membros do casal, contou que “a mulher cuspiu na cara do namorado“, enquanto o marido desta e o filho o atacavam. “Atingiram-me com um alicate na cabeça, eu começo a sangrar, vou para o chão e eles a dar pontapés ao meu namorado, também já no chão.” O jovem casal foi assistido pelo INEM e apresentou queixa à PSP.
Este foi um ataque violento contra um casal de dois homens por motivação homofóbica. E este poderia igualmente ser o esquema da notícia, caso se escolhesse não fazer referência à sua etnia, mas sim à sua motivação: a homofobia. A notícia permanece factual. Ainda assim vale a pena perguntar que peso traz a referência no próprio título à etnia da família homofóbica a esta questão?
Uma das consequências mais visíveis é a quantidade de comentários racistas contra a população cigana que surgiram como resposta a esta notícia do DN. Não interessam pois ser enumerados aqui. Repeti-los seria perpetuar a ideia de um grupo homogéneo de pessoas, seria desumanizá-las, seria dar voz a quem acredita na sua natureza impura por serem ciganas. Seria validar um dos preconceitos mais socialmente aceites em Portugal. Mais, toda esta questão permite que tenha já havido aproveitamento de partidos como o PNR em que este ‘questiona’ a posição da SOS Racismo sobre o assunto. E isso é perigoso.
Com isto não digo que não haja questões aqui bastante complexas em termos culturais e identitários, mas há determinadas escolhas que dão azo ao surgimento de ódios raciais, ainda para mais quando está aqui em causa um crime de ódio homofóbico absolutamente condenável. É também óbvio que não é isso que está aqui em causa, mas sim uma certa equivalência sensacionalista entre uma minoria sexual e uma outra étnica, sendo que a violência foi imposta por pessoas alegadamente pertencentes a uma maioria sexual.
Estas reações levaram a que o antigo ativista no Observatório das Comunidades Ciganas e atual na SOS Racismo, Piménio Ferreira, Engenheiro Físico, condenasse os ataques de ódio contra o casal: “Toda a solidariedade para com as vítimas da LGBTfobia. Qualquer agressão LGBTfóbica é condenável, seja feita por quem for #AmarNãoTemNorma”. Mas lembra igualmente que “‘Reconhecer’ homofobia de forma seletiva para aumentar mais ainda ódios racistas, não é preocupar-se , nem pelos LGBT+ nem pelas vítimas do Racismo”.
Curiosamente, o DN, ainda que tarde demais para evitar o sensacionalismo que levou às reações desmesuradas, editou o título e o corpo da notícia esta manhã. Estas são questões que, claramente, precisam ser equacionadas antes de uma publicação. E facilmente se percebe que não há uma resposta fácil e muito menos única para todas os cenários e para todas as circunstâncias. Mas é preciso ter essa consciência. Até que ponto é relevante para a notícia, ou pior, para o título de uma notícia, a menção de uma etnia ou raça num ataque homofóbico? Até que ponto propaga preconceitos? Até que ponto coloca minorias contra minorias? Até que ponto separa?
Importa agora que aquelas pessoas sejam devidamente identificadas e julgadas, a polícia terá começado hoje a investigar o caso após a queixa apresentada pelo casal. Estes são casos de violência injustificáveis numa sociedade que se quer livre e igualitária e deverão ser reprovados. Mas podemos – e devemos – tentar não levar atrás toda uma população com a nossa condenação.
Atualização 29 de novembro 2019:
O julgamento deste caso aconteceu esta semana com os agressores a serem efetivamente condenados e as vítimas receberão uma indemnização que, dizem, irão usar para o seu casamento.
As sentenças assim foram:
> Robin Monteiro, 66 anos – 3 anos de pena suspensa
> Andreia Maia, 42 anos – 2 anos e 8 meses de prisão efetiva
> Robin Liliana, 20 anos – 3 anos e 9 meses de prisão efetiva
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