Supremo Tribunal da Índia descriminaliza homossexualidade

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O Supremo Tribunal da Índia descriminalizou a homossexualidade, lê-se hoje nas notícias por todo o mundo. O que significa isto para os indianos e o que podemos aprender com o processo?

A lei indiana que criminaliza determinados comportamentos sexuais entre adultos vem do séc. XIX e do império britânico que colonizava então a Índia. A secção 377 proíbe não especificamente o sexo homossexual mas toda a atividade sexual com penetração não vaginal, incluindo portanto sexo oral e anal independentemente do parceiro, entre outros atos determinados como unnatural offences against the human body, incluindo sexo com animais.

Este processo começou com casos em 1994 e depois em 2001 no Tribunal Superior de Deli com uma petição da Naaz Foundation, tendo este tribunal em 2009 descriminalizado a atividade sexual entre pessoas do mesmo género. Esta decisão foi no entanto revogada em 2013 pelo Supremo, com referências ao facto de a 377 ter sido usada tão pouco e contra uma tal minoria que não se poderia dizer infringir direitos constitucionais dos indianos.

No entanto, há um ano o Supremo explicitou numa decisão sobre direito à privacidade que a orientação sexual é componente essencial da identidade e que os direitos da população LGBT são reais e fundamentados em adequada doutrina constitucional. Esta decisão abriu caminho para uma nova abordagem da revogação da 377.

Na sequência de várias petições e apesar da oposição de algumas associações religiosas e dos que pediam que a decisão fosse legislativa, o Supremo Tribunal voltou a abordar a questão, respondendo que se verificasse haver violação de direitos fundamentais revogaria a lei. Os opositores tiveram tempo de usar os mais típicos argumentos homofóbicos, incluindo o medo de abrir a porta ao casamento de pessoas do mesmo género, o medo de espalhar o VIH e até mesmo referindo que a “maioria” dos indianos seria “contra a homossexualidade”, ao que o juiz Dipak Misra respondeu dizendo que não seguiria “moralidades maioritárias” e que questões constitucionais não são decididas por referendo.

A decisão de descriminalizar foi tomada hoje por unanimidade dos cinco juízes do Supremo Tribunal. Referem os juízes que a lei é irracional, indefensável e manifestamente arbitrária e que ao impedir sexo consensual entre adultos não pode ser considerada constitucional. Referem ainda que o tribunal tem plena consciência de que a homossexualidade não é doença mental. Pedem ao governo que esta decisão seja publicitada largamente para contrariar estigmas e permitir à população LGBT viver com dignidade. A juíza Indu Malhotra lembrou que a história deve uma desculpa à comunidade LGBT.

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Este é um caso entre muitos que nos lembra do quanto há a fazer pelos direitos das pessoas LGBTQ. Não só porque nos lembra de quantos países ainda criminalizam a nossa existência, mas também porque ilustra as dificuldades de implementar as alterações legais e alcançar as alterações socioculturais necessárias para que possamos viver com dignidade em qualquer lugar. Mostra ainda como o progresso não é um caminho unidirecional. Uma decisão que nos descriminalizou em pleno séx. XXI conseguiu ser revogada em 2013 por afetar “apenas uma minoria” e porque o tribunal ignorou totalmente o efeito que a simples existência da lei tem na sociedade onde ela vigora. Ainda conseguimos nos dias de hoje ter discursos públicos ignorantes sobre o VIH, sobre sermos doentes, sobre termos que esperar que “a maioria” nos queira “dar” os nossos direitos mais fundamentais.

Mas apesar disto e acima de tudo este é o momento de celebrar o novo começo para a população LGBTQ na Índia. Esperemos não só que se evitem mais inversões de marcha mas que isto seja o primeiro de muitos passos para os indianos e um impulso para mudar leis em muitos outros países.

Terminemos com a declaração das Nações Unidas, que traduzo abaixo:

A orientação sexual e expressão de género formam parte integrante da identidade individual e violência, estigma e discriminação baseados nelas constituem uma notória violação dos direitos humanos. Pessoas LGBTI em todo o mundo continuar a ser alvo de ataques violentos e afetadas por discriminação de múltiplas formas que se cruzam e baseiam na idade, género, etnia, deficiência e classe social.

As Nações Unidas na Índia esperam sinceramente que esta decisão do tribunal seja um primeiro passo no sentido de garantir o espectro completo dos direitos fundamentais às pessoas LGBTI. Esperamos ainda que a decisão dê impulse aos esforços para eliminar estigma e discriminação contra pessoas LGBTI em todas as áreas de atividade social, económica, cultural e política, assegurando assim uma sociedade verdadeiramente inclusiva. O foco deve colocar-se agora no acesso à justiça, incluindo o recurso, investigações efetivas de atos de violência e discriminação e acesso efetivo a direitos económicos, sociais e culturais.

A luta continua.

Fonte: The Guardian.