Estado da relação Egas e Becas? É complicado!

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Sempre afirmámos que o Egas e o Becas são melhores amigos. Apesar de possuírem qualidades e características humanas, não deixam de ser fantoches sem orientação sexual.” – Rua Sésamo.

Ressurgiu ontem novamente a notícia de que as populares personagens Egas e Becas da aclamada série infantil Rua Sésamo eram gays. Desta vez, porque o rumor tem surgido ao longo das décadas, a notícia dá-nos a confirmação via Mark Saltzman, um dos autores da série. Mas há aqui vários problemas, nem as personagens foram criadas com a ideia de formarem um casal em 1969, nem as reações homofóbicas à notícia são desculpáveis e nem o esclarecimento oficial da Rua Sésamo, que nega qualquer orientação sexual ao Egas e ao Becas, é acertado. Mas vamos por partes…

A verdade é que não se sabe exatamente quando surgiu o mito urbano de que as amadas personagens Egas e Becas – Bert e Ernie, no original – eram um casal, mas este já circula há várias décadas. Um dos casos conhecidos mais antigos vem, como não podia deixar de ser, da Igreja, onde um reverendo norte-americano tentou abolir a série infantil, pois as duas personagens “são dois homens adultos que partilham uma casa e um quarto. Compartilham roupas, comem e cozinham juntos e têm características descaradamente efeminadas.” Um querido, portanto.

Em 1993 a equipa da Rua Sésamo viu-se já então obrigada a esclarecer:

O Egas e o Becas, que estão na Rua Sésamo há 25 anos, não retratam um casal gay, nem há planos para tal no futuro. São fantoches, não humanos. Ambos ajudam a demonstrar às crianças que, apesar de suas diferenças, podem ser bons amigos.

Pronto, está o esclarecimento feito e não há qualquer problema com isso. Ainda assim, nada justifica o grau de agressividade que se viu em comentários e posts pela mera hipótese de aquelas duas figuras serem gays.

Esta serve também, tal como outras, de chamada à terra para um mundo que facilmente podemos esquecer que a homofobia existe, é palpável e está também à distância de um simples teclado e ecrã. Há pois que denunciar!

Mas o assunto não fica por aqui, após um dos muitos autores da série – e não criador da mesma como alguns observadores escreveram – ter afirmado que ele, a título pessoal, vê a dupla Egas e Becas como um “casal fofo“, a equipa da Rua Sésamo voltou a lançar uma posição oficial ontem:

Sempre afirmámos que o Egas e o Becas são melhores amigos. Foram criados para ensinar às crianças que podem ser amigas de pessoas muito diferentes delas mesmas. Apesar de serem personagens masculinas e possuírem qualidades e características humanas (tal como a maioria dos fantoches na Rua Sésamo), não deixam de ser fantoches e não possuem uma orientação sexual.

Pronto, está o esclarecimento feito e não há qualquer problema com isso mais uma vez, não é verdade? Bem, não, nem por isso. É que calha que, ao contrário do que diz o depoimento, várias personagens fantoche da Rua Sésamo possuem uma orientação sexual definida, como o popular Conde de Kontarr que deu a conhecer nas várias temporadas da série algumas das suas pretendentes ou o Ferrão (Oscar the Grouch, no original) que na versão norte-americana namora com a Grundgetta.

É aqui que voltamos à conversa dos armários que, aparentemente, nem uma grande produtora de conteúdo didático parece entender: a identidade de uma pessoa (ou, neste caso, de duas personagens) não se revela apenas com palavras, mas também com ações. A orientação sexual, um dos pilares da identidade de qualquer pessoa, é dada a conhecer quando apresentamos o nosso namorado ou namorada como tal, quando mostramos interesse sentimental por alguém, quando partilhamos uma viagem, um episódio que envolva outra pessoa. É isso que algumas destas personagens fizeram e continuam a fazer ao longos das temporadas da aclamada série que ainda está no ar: a afirmar a sua heterossexualidade. E não há problema com isso numa série como a Rua Sésamo, mas importa perceber de vez que sair do armário e afirmar a nossa própria identidade não se faz unicamente em voz alta, pese embora o simbolismo que tem ouvirem-nos dizê-lo e ainda mais ouvirmo-nos dizê-lo.

O Egas e o Becas não são um casal. Podiam ser, mas não são, não foram criados com esse objectivo, essa identidade. Pelo que me toca, serem melhores amigos não excluí sequer a hipótese de serem, ainda assim, gays. Basta que haja imaginação para tal.

 

Fonte: Snopes.