
Ontem, dia 16 de setembro, teve lugar a abertura da 26ª edição do Queer Lisboa 26, o mais antigo festival de cinema da cidade de Lisboa e uma pedra basilar da cultura queer portuguesa. Pela primeira vez em três anos a Sala Manoel de Oliveira do Cinema São Jorge, atingiu a sua lotação máxima. A sessão esgotada serviu para apresentar o festival e acima de tudo acolher a antestreia do último filme do enfant terrible do cinema Português, João Pedro Rodrigues, presente em sala para apresentar o filme bem como grande parte do seu elenco e equipa técnica.
A filmografia de João Pedro Rodrigues, d’O Fantasma’ a ‘O Ornitólogo‘ são alegorias cruas e violentas, mais ou menos autobiográficas, com grande ênfase na emancipação ou descoberta, Não deixa de ser com alguma surpresa que surge este ‘Fogo-fátuo’, que o próprio autor descreve como uma fantasia musical, acompanhando a incursão do jovem príncipe Alfredo, herdeiro do reinado de Portugal, nos bombeiros voluntários de Setúbal, depois de se deparar com o flagelo dos incêndios.
‘Fogo-fátuo’ é indubitavelmente o mais leve de todos os filmes de João Pedro Rodrigues, assumidamente absurdista e profundamente cómico. Uma série de atrizes ajudam a elevar este humor, como Anabela Moreira enquanto rata de sacristia, Ana Bustorff no papel de criada oportunista e, acima de tudo, a rainha Margarida Vila-Nova, que rouba todo o protagonismo logo no início do filme enquanto combate o humor contemporâneo do filho Afonso e a vontade de urinar das cadelas chamadas Maria Pia. As duas.
Os bombeiros, tantas vezes conjurados enquanto fantasia gay masculina, são aqui descaradamente convertidos em pouco mais que isso, com os corpos nus ou simplesmente munidos de um jock strap, como é tipo nos soldados da paz. João Pedro Rodrigues nunca teve pudor em mostrar a nudez e o erotismo masculino mas aqui consegue o feito inédito de o tornar simultaneamente titilante e absurdo, exemplificado nas cenas de recriação de obras de arte ou na cena de sexo numa floresta ardida.
O coração do filme é no entanto o romance entre Alfredo, interpretado por Mauro Costa, e o Afonso de André Cabral, um bombeiro mais experiente com quem se inicia um romance escaldante. Pelas florestas ardidas e pelos paus não ardidos. No meio existem umas alegorias meio foscas sobre racismo inserido no colonialismo português que ainda se vive nesta realidade alternativa, mas que acabam por não ir muito mais longe que isto.
No final fica um filme divertido e com uma componente musical, seja na voz de Carlos Paião, Amália Rodrigues, Ermo, entre outros nomes. Claramente há quem o vá achar pornográfico, ofensivo, herege, ultrajante. Mas João Pedro Rodrigues, nesta fase da sua carreira, está claramente a cagar-se para isso. E ainda bem. O cinema português agradece.
Fogo-Fátuo tem estreia em Portugal no dia 29 de setembro.

A esQrever volta a ser parceira media do Queer Lisboa em 2022.
One comment