
Allan há só um, pelo menos é o que diz o filme Barbie sobre o amigo de Ken. Este boneco surgiu em 1964, apenas 5 anos após o lançamento da boneca mais famosa do mundo, mas apenas durou 2 anos. Foi vendido como “o amigo de Ken” e a Mattel garantia que “todas as roupas de Ken lhe servem“. Mas como é que este descontinuado boneco se tornou num ícone queer?
Com o lançamento do filme Barbie, os pósteres de Ryan Gosling, Kingsley Ben-Adir, Simu Liu, Ncuti Gatwa e Scott Evans mencionavam as personagens como “Ele é apenas Ken“, “Ele também é Ken“, “Ele é outro Ken“, “Ken novamente” e “Adivinhaste, ele é um Ken“, o póster de Michael Cera destacou-se por dizer que “Há apenas um Allan“.
No mundo dos bonecos, tanto Ken como Allan saíram em tronco nu e usavam as roupas um do outro, não é preciso fazer um grande salto, especialmente num mundo tão binário como o de Barbie, para podemos imaginar que talvez eles fossem mais do que apenas amigos.
Michael Cera interpreta Allan, um boneco ansioso, deslocado e com uma leitura que pode ser considerado um pária, eventualmente até, gay. O elenco do filme conta com vários ícones LGBTQIA+, nomeadamente, Ncuti Gatwa, Hari Nef e Scott Evans, mas o tormento de Allan acaba por ser um dos centros da atenção da comunidade. Não será difícil entender porquê.
Allan não se encaixa no mundo de Ken e procura conforto no de Barbie
Allan não se encaixa no mundo que habita que espelha o binarismo do mundo real: Barbies com Barbies, Kens com Kens. No entanto, ele é diferente. Diferente de todos os outros Kens e dos seus interesses. E embora seja um boneco sensível e preocupado com o seu amigo Ken, Allan não deixa de apoiar a Barbie quando o patriarcado ameaça tomar conta da Barbieland. Apesar da confusão perante o seu lugar no mundo, Allan parece saber a sua posição sobre o mesmo. E isso remete para inúmeras pessoas que não se encaixam no padrão dominante.

Apesar de a Mattel ter casado o boneco com Midge, que aparece também no filme, mas sem essa relação assumida, ao ver o filme é fácil ver semelhanças com os Allans do mundo. Eles (nós?) fizemos amizade com as raparigas, partilhámos com elas o espaço seguro, as conversas, os dramas e paixonetas de adolescentes, mesmo que em segredo. Somos Allans. Quantas vezes rapazes queer não se sentem confortáveis ou seguros com os seus colegas? Quantas vezes não nos sentimos de fora, tendo apenas alguma apaziguação junto das raparigas? E há razões para tal sentimento, mesmo nos dias de hoje.
Este é um mundo onde a representatividade queer existe essencialmente no subtexto. Mas Allan acabou por ser reconhecido por milhares de fãs que nele viram as suas vidas, passadas e presentes. Há muito, muito mais do que só um Allan. E as pessoas queer sabem-no, porque todas as suas roupas nos servem.
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