
A World Athletics (WA) anunciou esta semana uma nova política que exige testes obrigatórios de ADN para atletas que queiram competir em provas femininas. A entidade argumenta que esta medida é necessária para garantir a “integridade do desporto feminino”, mas vários estudos e especialistas apontam para um claro viés discriminatório que marginaliza mulheres trans e intersexo.
O regresso dos testes de “verificação do sexo”
A decisão da WA surge dois anos após a proibição de mulheres trans em competições femininas. Agora, a federação quer ir mais longe, aplicando testes de saliva para identificar variações de desenvolvimento sexual (DDS), que incluem a presença do gene SRY, geralmente encontrado no cromossoma Y. Atletas com tais variações poderão ser impedidas de competir, mesmo que se identifiquem e tenham sido reconhecidas legalmente como mulheres.
Sebastian Coe, presidente da WA, justificou a medida como uma forma de “fornecer confiança e manter um foco absoluto na integridade da competição”. No entanto, a história mostra que estas práticas já foram usadas no passado, nomeadamente com os “certificados de feminilidade” dos Jogos Olímpicos de 1968, posteriormente abandonados por serem cientificamente infundados e eticamente questionáveis.
A ciência em contradição sobre o género das atletas
A justificação da WA baseia-se na ideia de que algumas atletas podem apresentar vantagens genéticas que as colocam em patamares comparáveis aos dos homens. No entanto, a comunidade científica tem vindo a questionar esta premissa. Um estudo publicado em 2024 revelou que mulheres trans atletas, quando comparadas com mulheres cis, estão frequentemente em desvantagem devido ao impacto dos tratamentos hormonais na força e resistência muscular.
Além disso, um relatório de 2023 demonstrou que as regras criadas pelas federações desportivas muitas vezes exageram os supostos benefícios atribuídos a atletas trans e intersexo. Outro estudo apontou ainda que o nível de testosterona é um marcador pouco fiável para definir desempenho, dado que a resposta hormonal varia de pessoa para pessoa.
A posição das Nações Unidas face às imposições a atletas femininas no desporto
A Organização das Nações Unidas (ONU) também se manifestou contra este tipo de medidas discriminatórias. Em novembro de 2023, um grupo de especialistas da ONU apelou ao fim da exclusão sistemática de atletas trans e intersexo no desporto, alertando para o impacto negativo destas práticas na inclusão e nos direitos humanos.
O grupo observou profundas desigualdades que continuam a limitar o acesso das comunidades trans à prática do desporto. Essas desigualdades variam de barreiras estruturais no acesso a instalações desportivas, treinos e programas desportivos, até a exclusão facilitada por estereótipos de género e corpo ou bullying e assédio anível individual ou coletivo, como cânticos homofóbicos em estádios e on-line.
O impacto social e legal
A decisão da WA está longe de ser pacífica e poderá enfrentar desafios legais. Medidas semelhantes foram contestadas no passado e acabaram por ser revistas devido à pressão de atletas, cientistas e organizações de direitos humanos. Caster Semenya, atleta intersexo sul-africana, perdeu recursos contra a federação em 2019, mas o seu caso continua a ser um símbolo da luta contra a discriminação no desporto.
Também o caso da pugilista Imane Khelif nos Jogos Olímpicos de Paris vem mostrar como existe a tentativa de controlo sobre os corpos no palco desportivo de atletas que se afastam das normas convencionais.
A pergunta que fica é: até onde irá a World Athletics na sua cruzada contra atletas que não se encaixam nos padrões binários tradicionais? E quem será a próxima atleta a ter a sua carreira destruída por regras que ignoram a diversidade biológica do ser humano?

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