O Orgulho de George Michael

outside_george_michael_police_uniform_los_angeles_arrest

Era 1998 e no pico da minha obsessão pela MTV vejo um vídeo de George Michael chamado “Outside”. Este foi lançado no meio da polémica absolutamente estridente do aprisionamento do cantor por ter tido sexo numa casa de banho pública, seduzido pelo polícia à paisana que o prendeu. Na escola já tinham sido muitos os comentários ditos em jeito de graçola juvenil imberbe e masculinizada, alguns proferidos mesmo por mim, ainda tão armariado que nem sabia o que isso significava.

George Michael, símbolo maior da pop erguido nos anos 80, foi motivo de chacota durante meses. Anos, talvez. Não por ter feito sexo numa casa de banho pública. Não por ter sido apanhado pela polícia, preso e levado a tribunal. A vergonha que lhe era atribuída e dirigida era pelo facto de ser homossexual, rumor que há muito pairava mas só naquele momento se viu confirmado. Vergonha. Era isso que ele devia sentir, certo? Vergonha.

Outside é um dos momentos mais libertadores da pop moderna

O que eu vi então no vídeo de ‘Outside’ foi exactamente o oposto. Num brilhante golpe de génio, George Michael vestiu a culpa e erradicou por completo a vergonha que os outros sentiam por ele. Mais que um testemunho da sua sexualidade, era um manifesto de que ela não devia ser vivida por detrás de portas fechadas. Para não incomodar ninguém. E numa paródia à própria situação, acaba por colocar as forças policiais que o detiveram a repetirem o mesmo acto. Em público. Sem pudor.

Foi provavelmente das primeiras vezes que vi dois homens a beijarem-se e a fazerem sexo. Tinha 15 anos. Provavelmente ainda hoje não consigo bem perceber o que aquelas imagens titilantes provocaram em mim, mas decerto foram cruciais numa identificação precoce mas ainda desprovida de reflexão. No final do vídeo emergem as palavras “Jesus Saves. All of Us. All.” Metamorfose. De vergonha. Para Orgulho.

George Michael tornou-se um ícone LGBTQ

George Michael morreu no dia de Natal de 2016, na sua casa em Londres com apenas 53 anos por paragem cardíaca. Para trás fica um legado absolutamente inegável. Na música e na representação das pessoas LGBTQ. Esta não é de todo a canção que tenha definido a sua sua carreira e podia relatar agora o seu historial de visibilidade e perder todo outro texto a falar de outros momentos específicos como Jesus To A Child” e ‘Older‘ e o que eles significaram. E tantas outras coisas. Mas prefiro ficar neste momento a recordar especificamente aquele que escolheu transformar algo sórdido em algo celebratório. A sua sexualidade. Que se veio a revelar a minha. E lembrar a força que deu a tantas pessoas num momento tão específico. A força que, apercebo-me agora, deu-me também a mim.


A esQrever no teu email

Subscreve e recebe os artigos mais recentes na tua caixa de email

Respostas de 3 a “O Orgulho de George Michael”

  1. […] Fonte: O Orgulho de George Michael – Escrever Gay […]

    Gostar

  2. […] ironicamente, o João Miguel Tavares declarou-nos um site de opinião respeitável. E deixaram-nos George Michael e Carrie Fisher, ambos ícones dos movimentos LGBT e […]

    Gostar

  3. […] com a certeza que nunca haverá ninguém como ele a aparecer-nos na vida e a pontuá-la como momentos que nos definem. […]

    Gostar

Deixe uma resposta para O Orgulho de George Michael – Escrever Gay | BRASIL S.A Cancelar resposta

Apoia a esQrever

Este é um projeto comunitário, voluntário e sem fins lucrativos, criado em 2014, e nunca vamos cobrar pelo conteúdo produzido, nem aceitar patrocínios que nos possam condicionar de alguma forma. Mas este é também um projeto que tem um custo financeiro pelas várias ferramentas que precisa usar – como o site, o domínio ou equipamento para a gravação do Podcast. Por isso, e caso possas, ajuda-nos a colmatar parte desses custos. Oferece-nos um café, um chá, ou outro valor que te faça sentido. Estes apoios são sempre bem-vindos 🌈

Buy Me a Coffee at ko-fi.com