O Custo das Terapias de Conversão

As chamadas terapias de conversão em Portugal foram um tema abstrato para muita gente até surgirem terapeutas que as defenderam na sua prática clínica, Maria José Vilaça e afins. Estas foram denunciadas e são aguardadas tomadas de posição concretas por parte das respetivas Ordens e questionamo-nos se não fará sentido implementar leis em Portugal que proíbam este tipo de práticas. E entretanto? Pelo que passam as pessoas que são sujeitas a este tipo de atividades profundamente traumáticas?

São este tipo de questões que a história de Garrard Conley, que o próprio contou em livro e foi adaptado para cinema através de Boy Erased que estreia em Portugal a 28 de março, levanta e nos fazem pensar: e se fosse comigo?

Tal como nos caso denunciados em Portugal, as (pseudo) terapias de conversão no filme, que, para além de um brilhante Lucas Hedges, conta igualmente com uma extraordinária Nicole Kidman, têm como base estigmas e preconceitos religiosos. As pessoas, em muitos dos casos jovens impelidos por um perdão e uma posterior validação de pais e mães, submetem-se a todo um programa que passa por fazê-los acreditar que algo está mal consigo, que pecam, que vão arder no inferno. E se para quem está de fora e nunca teve de lidar com uma pressão destas, num espaço asfixiante, poderá ser fácil achar-se invencível numa situação daquelas, a verdade é que as pessoas que passaram por ali estão quase sempre em situações de extrema vulnerabilidade. Presas num jogo que não poderão alguma vez ganhar. E raramente conseguirão sair sequer.

E então duvidam elas de si mesmas. E nós com elas. Quem somos? Que responsabilidade temos nas decisões que tomamos? E que tem isso a ver com a identidade que nos delineia? Se acreditarmos muito poderíamos ser diferentes? A que custo? Com que verdade? E o que representaria isso para alguém? Pai? Mãe? E para nós? Repito-me, a que custo? Uma vida, por vezes de forma literal, mas sempre de forma simbólica. Porque é a vida que nos é retirada quando nos atiram para uma realidade que não é a nossa. Deixamos de ser. Pagamos o preço, não nos iludamos, mais tarde ou mais cedo, por inteiro.

Para que isto não seja apenas um pensamento abstracto, vejamos os números: só nos Estados Unidos estima-se que 700.000 pessoas foram submetidas a terapias de conversão, destas 350.000 eram adolescentes. Como explicou Nuno Carneiro, psicólogo clínico, a tentativa de mudança da orientação sexual de uma pessoa “é mais do que ineficaz, é profundamente maleficente”. Pode agravar o estado de saúde mental de quem à partida já procurou ajuda para algum tipo de problema, seja depressivo ou de outro tipo. Pode levar ao “abuso de substâncias, abandono escolar, ataques de pânico e sofrimentos de vários tipos atribuídos a patologias que não o são”. E, em casos extremos, ao suicídio.

O preço pelo preconceito, como foi dito, paga-se, muitas e demasiadas vezes, com a própria vida. Pergunto, por fim, é isto ter uma família?

Fotografia por DESIGNECOLOGIST.

Por Pedro Carreira

Ativista pelos Direitos Humanos na ILGA Portugal e na esQrever. Opinião expressa a título individual. Instagram/Twitter/TikTok/Mastodon/Bluesky: @pedrojdoc

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